1. O Projeto CLAN

RESUMO

De que forma crianças e animais de companhia constroem relações quotidianas que contribuem para desafiar, ou reproduzir, categorias dominantes e fronteiras estabelecidas entre mundos humanos e não humanos?

Este projeto explora esta questão, a partir de alguns factos que têm estimulado a curiosidade científica em torno do tópico: o contraste entre mudanças normativas relativas aos direitos e proteção dos animais, e o número massivo de cães e gatos errantes ou institucionalizados, devido a diferentes formas de abuso e negligência; a queda dramática das taxas de fertilidade e o menor número de crianças, a par da crescente centralidade destas na família, e do investimento parental na sua educação; lares que se tornaram ‘recreios tecnológicos’, onde as crianças aprendem e brincam, e ter um animal de companhia se torna uma opção para os que advogam uma ‘pedagogia experiencial’, percebida como um modo de recuperar a relação com a natureza e todo ‘um mundo que se perdeu’. Para além disso, desde a modernidade que crianças e animais partilham processos similares, embora desfasados, de reconhecimento enquanto sujeitos de direitos fundamentais.

Inspirado pela ‘teoria da prática’, e partindo de literatura interdisciplinar (estudos sobre a infância, afetos, amizade e sobre o humano/não- humano), o projeto tem como objetivo estudar as relações entre crianças e animais de companhia. Presta especial atenção às suas práticas afetivas, enquanto formas de construção de sentido corporificadas (embodied). Sugere-se que crianças e animais co-produzem os mundos nos quais estão inseridos, através de práticas que podem reproduzir, ou desafiar, a barreira inter-espécies. Avança-se a hipótese de que, quando estas relações são construídas como laços de família ou de amizade, essa barreira é questionada.

Outras questões mais específicas são: quais são as dimensões (educacionais, lúdicas, instrumentais) das práticas entre crianças e animais? De que modo estas práticas influenciam a criança e o animal, no desenvolvimento da empatia mútua? Como contribuem para desenhar as fronteiras do que é um ‘animal’, um ‘animal de companhia, ou um ‘amigo’? Como se entrelaçam com práticas parentais, educativas e do cuidar, da criança e do animal, bem como com o cenário material da casa?

Metodologicamente, o projeto segue um desenho qualitativo. A unidade de análise é a relação entre a criança e os animais de estimação (cães e gatos); às crianças será dada voz, e a sua relação com os animais será observada em contexto doméstico. A aproximação multi-método incluirá dados visuais e verbais, recolhidos através de observação direta, métodos visuais e participativos, e entrevistas com o apoio de fotografias.

O projeto desenvolve uma perspetiva sociológica que permaneceu pouco explorada: a relevância da relação criança-animal de estimação para ambas as partes; e como ela se constrói através de práticas afetivas. É o primeiro trabalho sobre o tema nas ciências sociais portuguesas.

 

QUADRO TEÓRICO

Projeto situa-se no cruzamento dos Estudos da Infância, dos Estudos da Família e Estudos Humano-Animal. Partindo de uma perspectiva crítica das perspectivas desenvolvimentistas sobre as relações entre crianças e animais (Lewinson, 1969; Melson, 2001; Fine 2010), o projeto estuda três grandes eixos:

  1. Perspectivas genealógicas de inspiração foucaldiana: foco no poder (ou na falta dele) como relacional, decorrente de aparatos discursivos múltiplos e interseccionais; co-construção das categorias de criança/animal, infância/petdade, ao longo do tempo (Feuerstein et al., 2017; Flegel, 2017)
  2. estudos críticos sobre crianças-animais. violência e dominância; socialização antroparcial, subjectificação/objectificação (Stewart e Cole 2014; 2009)
  3. perspetiva sociológica e construtivista: relações e dinâmicas familiares, sendo as relações entre crianças e animais compreendidas no contexto social e relacional da vida das famílias (Charles e Davies, 2008; Muldoon et al., 2014; Tipper, 2011a; Charles, 2016; Fox, 2006; Irvine e Cilia, 2017; Power, 2008; Shir-Vertesh, 2008). 

A partir da observação das práticas criança-animal, e dos registos fotográficos das crianças dessas interações e suas aplicações afetivas, o projeto dialogou também com as perspectivas pós-humanistas da infância e das relações criança-animal, prestando atenção às dimensões multisensoriais das relações multiespécies (Young e Rautio, 2018; Latimer e Miele, 2013; Cutter-Mackenzie-Knowles et al., 2020; Malone, 2015; Taylor e Pacini-Ketchabaw, 2018; Hohti e Tammi, 2019).

METODOLOGIA
Observação direta, entrevistas aprofundadas no domicílio; entrevistas de foto-elicitação; métodos visuais (fotografias)

FASE 1 – Observação direta, entrevistas em profundidade no domicílio às 24 famílias selecionadas.
24 famílias; 2 entrevistas (criança+mãe/pai); primeira observação do animal e da casa; primeiro contacto com os animais e as suas rotinas

FASE 2 -Entrevistas de foto-elicitação  a 12 das 24 famílias

  • 1ª visita às 12 famílias (escolhidas entre as 24 anteriores): distribuição de câmaras fotográficas e aplicada a técnica de photovoice para recolha de fotografias sobre a perspetiva das crianças sobre a vida dos seus animais de companhia;
  • 2ª visita às 12 famílias: entrevistas de foto-elicitação com base no portfólio fotográfico das crianças (crianças); observação direta (animais).

FASE 3 – Workshops com as famílias e stakeholders
Esta atividade tinha dois objetivos principais: 

  • Devolver às famílias (crianças e pais) alguns dos resultados produzidos pela equipa de investigação do CLAN a partir dos dados recolhidos durante o trabalho de campo e ao longo da duração do projeto;
  • Reunir atores e profissionais relevantes (veterinários, psicólogos, advogados, assistentes sociais e políticos), discutindo com eles alguns dos eixos relevantes dos resultados do projeto.

SELEÇÃO DA AMOSTRA

24 famílias da Área Metropolitana de Lisboa
Com 1 ou mais animais de companhia (pelo menos 1 cão e 1 gato), há pelo menos 6 meses
Com 1 ou mais filhos, com idades compreendidas entre os 8 e os 14 anos (equilíbrio de género)
Diferentes morfologias familiares (casal com filhos, famílias monoparentais)
Diferentes contextos sociais
3 tipos diferentes de habitação.
Apartamento urbano; Casa na cidade, com jardim ou quintal; Pequena quinta.

Animais do projeto CLAN

Gatos
0
Cães
0
Peixes
0
Pássaros
0
Tartarugas
0
Porquinhos-da-Índia
0
Coelho
0
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